Quero conversar um pouco sobre um outro drama da espiritualidade: o sobrenaturalismo. De certa forma está ligado ao assunto de domingo passado, mas sob um enfoque um pouco diferente.
Todo mundo sabe que toda a religião tem um limite. É fácil a gente descobrir isto, especialmente quando se sabe que a religião é gerada pelo ser humano. Se o ser humano que “faz” religião é finito, a religião “produzida” por ele também não irá além do seu tamanho. Isto parece óbvio.
Só que não é tão simples assim. Por exemplo, quando você conversa com outra pessoa, vê alguma coisa bela, ou, em outro exemplo, quando você arrisca fazer alguma coisa cujo resultado você não sabe direito o que vai ser, seja algo perigoso, ou ainda mudar de emprego, algo novo, ambiente diferente, e por aí vai. O que você está fazendo na verdade é tentando ir além. É isto mesmo: toda a aventura ao desconhecido, ao inovador, que faz você ficar pensando como será, o que será, de que jeito será, como se tentasse adivinhar o que você ainda não viu e não sabe, é sempre a dor de querer ir além do que você é. Isto é válido para o lanche da noite que pode lhe causar azia, a expectativa de uma pescaria, ou a tentativa de conhecer o que existe de oculto numa pessoa. É válido para tudo o que você faz, como virar uma esquina sem saber o que poderá acontecer, conhecer lugares novos e pessoas diferentes. O ser humano vive uma aventura de rompimento: ele sempre precisa ser desafiado a vencer os seus limites. Se isto fez você pensar nos esportes radicais, de gente que fica pulando de ponta-cabeça em pontes, preso por grandes elásticos, ou subindo a encosta de uma montanha fincando grampos e dependurando-se em cordas, se você de fato está pensando nisto, então creio que estamos nos entendendo.
Não preciso dizer que a religião faz parte disto. Poderíamos dizer que religião é esta aventura ao sobrenatural, em tentar ultrapassar qualquer limite que possa nos “transportar” para os mistérios ocultos. Não estou dizendo que religião é só isto, pois não é. Contudo, no que diz respeito ao nosso tema, podemos compreender a sobrenaturalidade como esta tentativa de ir além, muito além, do nosso mundo finito.
Algumas religiões não são textuais, ou seja, não têm os seus fundamentos em um texto. As religiões africanas são um exemplo. Por tabela, muitas religiões brasileiras também são outro exemplo. A fonte não é um texto, mas a experiência. A autoridade de uma pessoa, sua liderança, o respeito que impõe ao grupo, o domínio que mantém, etc., dependem do grau de experiência que esta pessoa possui e ao nível ou característica do deus que adora, como no caso do candomblé.
Desculpe o excesso de informação, mas é preciso entender um pouco (neste caso é “pouquíssicíssimo” mesmo, diria o Chaves) sobre a diferença entre o sobrenaturalismo em religiões não-textuais com o sobrenaturalismo cristão, cuja religião é baseada num texto.
Numa outra hora, quando não sei, voltaremos a este tema. Por agora estou apenas querendo dizer que o texto bíblico é uma forma de construir uma religião desprovida, no máximo possível, de “sobrenaturalismo”. Se você pensa assim: Esta experiência foi o Espírito Santo que me deu e não importa o que qualquer pessoa diga, eu sei que veio de Deus e que portanto é válida... é provável que você esteja “misturando” uma religião do tipo “experimental” com uma outra “textual”. É claro que isto é uma besteira porque não existe uma religião absolutamente “pura”, sem algo de sobrenatural, nem o cristianismo. Contudo, quando você coloca a experiência em primeiro lugar e usa o texto só para confirmar a experiência, certamente você está invertendo o sistema cristão, que é primeiro o texto, depois a experiência. Não é a experiência que valida o texto, mas o texto que valida a experiência. Você não passa a acreditar por causa da experiência, mas você acredita porque a Bíblia diz que isto seria, ou é, assim. Mesmo que a experiência não aconteça como você pensou que deveria ser, não existe problema algum. A “verdade” continua “verdadeira” apesar de não haver experiências porque a “verdade” está no texto e não na experiência. O texto serve então como “redutor” das experiências. Em outras palavras, você não deve buscar a experiência, mas o texto.
Hoje eu só estou pedindo desculpas e novamente sou obrigado a fazê-lo por causa da complicação do assunto, que já ficou longo demais. Acho que já dá para você entender porque há tantas igrejas enfatizando tantas experiências que na Bíblia só aparecem como sombra. É o caso do “cair pelo sopro do Espírito”, que tem a sua “base” em Daniel 8:16-18. Transformada em doutrina, passou a ser sinônimo de “espiritualidade”. Todo aquele “tomado” pelo Espírito tem que cair, e assim por diante. Talvez Ezequiel não fosse nada, nem tivesse qualquer espiritualidade, pois o próprio Senhor lhe disse: “Filho do homem, põe-te em pé, e falarei contigo”. Em pé ou caído, onde está a verdade? Com quem Deus fala? Bem, isto já é uma outra história.
Pr. Dr. Natanael Gabriel Da Silva
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Sobrenaturalismo: A Religião Sem Limites
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